Querido Freddy
Gatos

Querido Freddy


Há quinze anos atrás, depois de muitas negociações familiares lá consegui ter um gatinho em casa. A única condição que me puseram foi que não fosse um siamês porque a fama deles não era grande coisa. Claro que no dia em que te fomos buscar embrulhado num paninho, apareceu-nos logo 500 g de um siamês com uns belos olhos azuis. Os primeiros tempos foram um bocadinho caóticos. Com 2 crianças pequenas, um emprego exigente de longas horas diárias chegar a casa e ter rolos de papel higiênico em milhões de pedacinhos pela casa toda, cadeirões e sofás destruídos pelas tuas unhas, miados de nos pôr os cabelos em pé . E as noites? O que ficou decidido é que não entrarias nos nossos quartos para dormir, uma vez que tinhas uma caminha própria cheia de mimos e cobertores num local quentinho da casa mas qual quê? Passadas 2 ou 3 semanas de miados dignos de qualquer tenor lá estavas tu todo repimpado no nosso quarto. Primeiro na tua caminha, depois aos nossos pés e passado muito pouco tempo dormias onde te apetecesse, inclusive dentro dos lençóis ou em cima da minha cabeça.Tantas peripécias. Houve o dia em que nos tocaram à campainha a dizer que estava um gato na rua e que parecia o nosso. O nosso? Não, o nosso não sai! Pois não, mas resolveu voar atrás de um passarinho talvez. Mas o susto foi só na altura da queda porque tentaste repetir muitas vezes a proeza. Nós é que passámos a ter muito mais cuidado. E a pobre da Minorca, a nossa tartaruguinha? Não lhe davas sossego e chegou a estar desaparecida vários dias porque ias ao aquário, punhas a patinha e lá vinha ela.. Rapidamente desfizeste alguns mitos em que eu própria acreditava um pouco: Adoravas água, fosse para beber, para apanhar uma chuvinha, para tomar duche connosco, etc, etc.. Vento é que nem pensar porque lá se ia o penteado.Cresceste juntamente com os nossos meninos e acho que eles até pensavam que tu eras um irmão um bocadito diferente. Quando por vezes tínhamos mais uma menina na nossa casa ficámos com medo que tivesses ciumes dela e estávamos sempre atentos. Mas fiquei plenamente descansada quando te vi a protegê-la quando alguém nos ia visitar.
O que tu adoravas as férias no Algarve. Portavas-te tão bem durante as horas de viagem. E quando chegavas à casa de férias só te faltava rir. Ficavas feliz, feliz...
Quando passei por uma cirurgia resolveste mudar-te dia e noite para ao pé de mim. Saltavas para cima da cama com grande gentileza como se soubesses que eu tinha uma ferida que me doeria se fosse pisada. E ajudaste-me muito na recuperação!
Quanto mais anos passavam mais nos ligávamos a ti.
Quando chegávamos estavas à nossa espera e viravas a barriguinha para cima, quando eu trabalhava no computador estavas atento em cima da impressora, quando nos sentávamos à mesa também querias uma cadeira e quando eu me ia deitar lá ias tu.
Com cada um de nós tinhas uma forma diferente de ser. Para uns eras um mimalhão, para outros eras uma criança brincalhona e para outros usavas todo o teu charme de conquistador.
A partir dos 12 anos passaste a dormir um bocado mais e percebemos que estavas a ficar velhote. Como qualquer velhote às vezes até resmungavas.
Mudámos de casa e pela primeira vez começaste a sair para o jardim. Como tu adoraste esta casa cheia de sol e estas saídas cheias de coisas e cheiros novos.
A partir dos 14 anos começaste a ver um bocadinho mal e por vezes os teus saltos não eram muito bem conseguidos. Mas como um verdadeiro gato mimado, se querias ir a algum sítio e estavas hesitante era só chamar-nos porque já todos tínhamos aprendido gatês.
Foi também aí, há cerca de 1 ano que me disseram que as tuas análises estavam todas normais mas como os valores indicativos de insuficiência renal , já estavam no limite do normal tiveste que começar a comer ração renal. Passados 6 meses, mais exames, ecografia aos rins e bexiga e tudo normal.
E tu continuavas a fazer as tuas brincadeiras de sempre, a comer bem, a sair todo contente..
Dia 08 de Março vieram as primeiras más notícias: os valores tinham aumentado e estavas com insuficiência renal crónica. Apesar da tua idade o prognóstico foi bom porque nunca tinhas tido nenhum sintoma da doença...
Mas repentinamente, e de forma fulminante deixaste de comer, enfraqueceste e nós tentámos tudo o que era possível.
Nenhum tratamento resultou e passada apenas uma semana partiste.
Meu querido Freddy é por isso que nunca poderei compreender as pessoas que deixam por algum motivo os seus amigos em canis, abrigos ou até na rua.
Porque vocês dão-nos tanto em troca de tão pouco.
E quanto nós não daríamos para ter mais uns dias contigo
Até um dia meu amor



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