Predadores tímidos
A União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) declarou que o lince ibérico, às vezes chamado de lince Pardel, é a espécie de felinos mais ameaçada do mundo.
Seus olhos são âmbar ou verde, e ele tem bigodes abundantes e tufos de pelo escuros nas orelhas. Com cerca de metade do tamanho do lince eurasiano, ele é duas vezes maior que um gato doméstico.
Sua presa favorita é o coelho selvagem; ele mostra pouco interesse em outros tipos de comida.
No começo do século passado, milhares desses predadores tímidos vagavam pela Península Ibérica. Hoje, os últimos 200 espécimes estão lutando para sobreviver em duas regiões fragmentadas da Andaluzia.
Nas últimas décadas, as epidemias dizimaram a população de coelhos. Além disso, os humanos progressivamente dividiram e destruíram seu habitat.
A reserva de Doñana na Costa de la Luz no sul da Espanha, um vasto ecossistema costeiro com pântanos, areais e dunas, florestas de coníferas e sobreiros, onde o rio Guadalquivir flui para o Atlântico, é um dos últimos refúgios do lince ibérico.
Mas mesmo esse paraíso natural foi dissecado por estradas protegidas por cercas apenas em alguns trechos. Além disso, está sendo invadido por empreendimentos turísticos vizinhos. Mas a agricultura representa o maior problema.
Nas últimas décadas, florestas protegidas têm sido derrubadas e a terra transformada em plantações de morango.
A última vez que uma espécie de felino se extinguiu no planeta foi há 10 mil anos, quando o tigre de dente de sabre desapareceu. Quando os especialistas da IUCN soaram o alarme em 2002 e alertaram que o lince ibérico poderia ser o próximo, a Espanha embarcou num programa de grande escala para salvar a espécie.
Além de "El Acebuche", há uma segunda estação de procriação em Andaluzia, e outras estão em planejamento. A União Europeia planeja destinar vários milhões de euros nos próximos anos para restabelecer os habitats dos linces.
"Você não acha que ela está gorda?"
Boj levanta, fareja o ar e dá alguns passos hesitantes. Depois deita e se estica no chão próximo à placa de cortiça. Astrid Vargas desabafa em voz alta:
"Ela tem que estar prenha! Você não acha que ela está gorda?"
Vargas, 44, diretora da estação de procriação, é uma mulher pequena e enérgica, descendente de espanhóis e porto-riquenhos. Ela sabe a história de vida e o caráter de cada lince sob seus cuidados.
"Boj tinha oito meses e era muito magra quando foi capturada na parte nordeste do parque nacional", diz Vargas. "Acharam que ela era um macho a princípio, por isso o nome estranho".
Boj em espanhol é o nome de uma árvore. As outras linces fêmeas tem nomes melódicos como Artemisa, Brisa ou Córdoba. Vargas olha para o monitor. Boj ainda está deitada no chão, como se em coma. "Gosto muito dela. Ela tem personalidade".
Vargas, uma veterinária treinada, tem uma afeição especial por casos complicados. Ela vem lutando pelo felino ameaçado há mais de cinco anos.
"Fazemos um trabalho exemplar para os países em desenvolvimento", disse.
"Se não conseguirmos salvar uma espécie ameaçada aqui, dificilmente podemos esperar que isso seja feito em qualquer outro lugar".
Os três primeiros linces nasceram em cativeiro em "El Acebuch" em 2005, e dois deles sobreviveram. Três anos depois, a estação se orgulha de já ter produzido 14 jovens animais.
Antes disso, a equipe praticamente não tinha experiência com a procriação, e todas as primeiras tentativas falharam. Vargas usou seus contatos internacionais para encontrar os melhores especialistas.
Eles incluem a bióloga Katarina Jewgenow do Instituto Zoológico de Leibniz e Wildlife Research em Berlim, uma especialista em biologia reprodutiva dos felinos.
Espaço suficiente na natureza
Jewgenow e sua colega, Beate Braun, esperam ansiosamente pela amostra de sangue. As duas cientistas vieram para a Espanha para fazer o teste de gravidez nas fêmeas adultas.
No processo, as alemãs ajudaram os espanhóis a tomarem medidas de segurança durante os nascimentos.
A equipe está em estado de alerta, porque algumas mães linces matam ou rejeitam seus filhotes imediatamente após o parto.
Na primavera passada, Boj mordeu um de seus três filhotes até a morte, e então rejeitou o segundo no mesmo dia e o terceiro nove dias depois.
Se os cientistas e conservacionistas quiserem salvar o lince ibérico, terão de agir rápido.
Um bom sinal é que o espaço está ficando apertado nas jaulas dos gatos.
Os primeiros animais serão soltos na natureza no ano que vem, mas apenas "se o habitat estiver pronto até lá", alerta Vargas.
Apesar das complicações, procriar linces em cativeiro ainda é muito mais fácil do que fornecer espaço suficiente para eles na natureza.
Mas os especialistas estão otimistas de que a última fase, e mais crítica em sua tentativa de salvar o lince ibérico, será bem sucedida.
"A Espanha prometeu à UE desenvolver áreas protegidas no futuro que serão apropriadas para os linces e os coelhos", disse Urs Breitenmoser, diretor do Grupo Especialista em Felinos da IUCN.
"Tenho grandes esperanças na implementação desses planos".
Pelo menos dez linces fêmeas dos dois centros de procriação darão a luz nas próximas semanas e meses. Talvez Boj seja uma delas. Seu teste de gravidez deu positivo.
Jornal: Der Spigel
Por Samiha Shafy
06/04/2009