CatNews: Onças e Gatos Selvagens "invadem" a cidade e deixam a impressão de que são numerosos
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CatNews: Onças e Gatos Selvagens "invadem" a cidade e deixam a impressão de que são numerosos


Um rosnar diferente, um miado, uma movimentação no alto de uma árvore. Num canto mais escondido, em meio à vegetação, passa um vulto rápido e logo vem o susto e o alarme. É uma onça em plena cidade! Uma jaguatirica acuada no banheiro da casa! Um gato-do-mato preso no quintal!

Os cachorros ficam agitados, a multidão se reúne, logo surge um cordão de isolamento. E entram em ação os bombeiros, policiais ou fiscais de órgãos ambientais, tentando intermediar o encontro inusitado.

Em nome da população, sempre aparecem palpiteiros voluntários, ressaltando o perigo da proximidade, o medo do ataque às crianças, a violência do bicho. Bem mais raras são as vozes em defesa dos felinos encurralados, capazes de apontar os riscos para os animais por estarem em zona urbana; o medo estampado nos olhos deles e a violência das capturas improvisadas, que vez por outra resultam na morte do felino.

Só entre janeiro e junho de 2004, o Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação dos Predadores Naturais (Cenap/Ibama), registrou sete ocorrências de felinos em áreas urbanas. Seis envolveram sussuaranas, caso de Paranavaí, no Paraná; Atibaia e Sorocaba, em São Paulo; Sacramento, Caldas e Uberaba, em Minas Gerais.

O outro caso foi de uma onça pintada, que se perdeu em Manaus (AM). Os encontros com felinos menores como a jaguatirica, que em abril entrou no banheiro de uma casa, em Araçoiaba da Serra (SP) - nem sempre entram nas estatísticas do centro especializado do Ibama. Mas não deixam de fazer as manchetes dos jornais, muitas vezes alimentando indevidamente uma imagem de ferocidade.

O aumento dos registros de felinos em áreas urbanas dá a falsa impressão de que existem onças demais ou que elas ficaram mais ousadas, devido à proibição da caça. Na verdade, essa aproximação é conseqüência da redução brutal do ambiente natural dos grandes predadores, seja por desmatamento para exploração de recursos naturais, transformação de cerrados e matas em cultivos e pastagens, construção de estradas ou expansão urbana.

Em outras palavras, não são exatamente as onças que têm ido às cidades, as cidades é que estão invadindo os territórios delas. Em áreas rurais, os encontros entre homens e felinos são bem mais numerosos e as estimativas menos confiáveis. Algumas pessoas resolvem a questão por conta própria: caçam e matam ilegalmente as onças e gatos silvestres e, portanto, não comunicam o fato.

Outras pessoas convivem sem problemas com essa proximidade e também não registram os encontros. As notificações só chegam ao Cenap quando os felinos são suspeitos de atacar animais domésticos ou se aproximam demais de áreas habitadas. De 1996 a 2003, o Cenap teve 470 dessas notificações de contatos entre felinos e humanos, das quais só 2 a 3% são de onças em zonas urbanas.

"De forma geral, esses animais não representam risco para a população", assegura Ronaldo Morato, especialista do Cenap. "Eles são solitários, noturnos e tendem a evitar a presença humana. Em caso de encontro, é só fazer barulho, gritar, bater palmas, soltar rojões e abrir um caminho para a fuga, que eles vão embora.

“Entrar em área urbana é um erro de percurso para uma onça, uma situação que deixa o animal tão assustado, com tanto medo quanto as pessoas”. Segundo Morato, nos últimos dez anos, não há relatos de acidentes em que onças pardas ou outros felinos menores tenham atacado seres humanos. Mesmo a onça pintada, maior carnívoro das Américas, prefere escapar a enfrentar o homem e só ataca se acuada.

No Brasil, não existem 'onças comedoras de gente' como acontece em alguns locais da Ásia e África com tigres e leões, embora a oportunidade tenha transformado alguns indivíduos em 'comedores de animais domésticos'. E mesmo estes são exceções, considerando a freqüência com que os felinos circulam junto a áreas habitadas e a quantidade de casas e comunidades isoladas no meio da floresta, com criações no quintal, sobretudo na Amazônia, Pantanal e mesmo nos grandes fragmentos remanescentes de Mata Atlântica.

Para os especialistas, a explicação é simples: seres humanos não são tidos como presas por nenhuma das 8 espécies de felino que ocorrem aqui. São, antes, predadores e, como tal, devem ser evitados. É o que as fêmeas ensinam aos seus filhotes, nos 8 a 12 meses em que andam juntos, após o nascimento. Cada espécie de felino tem uma preferência alimentar e nenhum deles gasta a preciosa energia empregada em um ataque por outro motivo, que não seja para comer ou se defender. O único predador que ataca e mata aleatoriamente é o próprio homem.

As onças pintadas costumam predar capivaras, veados, pacas, queixadas e catetos. As sussuaranas também atacam presas menores, como mãos-peladas, gambás, caxinguelês e ratos. As jaguatiricas conseguem driblar os espinhos de ouriços-cacheiros, podem predar macacos, saguis ou tamanduás-mirins e têm especial predileção por marrecos e patos. Os diversos tipos de gatos selvagens caçam passarinhos, pequenos répteis e roedores.

E a quem acha que predadores carnívoros são cruéis e dispensáveis, vale lembrar os atuais problemas com a proliferação sem controle de capivaras, justamente uma das espécies predadas por onças. Elas estão por toda parte e, apesar de simpáticas, estão em desequilíbrio e em alguns locais viraram questão de saúde pública por funcionarem como vetores de doenças, como a febre maculosa, transmitida pelo carrapato estrela.

Os predadores de topo de cadeia alimentar, como os felinos, têm a função natural de manter o equilíbrio das populações de suas presas tradicionais e costumam se manter fiéis a seus hábitos alimentares. Essa relação só muda quando os felinos já não conseguem encontrar seu alimento preferido ou quando as criações se tornam mais disponíveis do que as presas silvestres tradicionais.

"A quem quer manter os felinos à distância recomendamos alguns cuidados básicos, como armazenar lixo em lugar tampado para não atrair animais que possam ser presas da onça", explica Ronaldo Morato, que inclui ratos e gambás entre essas presas. "Quem tem criação, deve manejar os animais domésticos, levar toda noite para um local fechado. Um cavalo ou cabra, preso numa corda, ao relento, é fácil demais para uma onça. Se for próximo de uma mata, então, é um chamariz".

Devido à expansão contínua da ocupação humana, os territórios originais de caça dos felinos têm sido fragmentados, empurrando-os para perto dos animais domésticos e das áreas urbanas. Onças e gatos silvestres são territorialistas. Cada macho delimita uma área por onde circula e caça.

Um macho de sussuarana pode precisar até de 140 km2, se o alimento for escasso. Em média, ocupa de 35 a 40 km2. É a espécie que melhor tolera viver perto do homem, por ser mais flexível quanto ao ambiente que ocupa, adaptando-se bem tanto a matas como à vegetação aberta. Além das pardas, também o gato mourisco ou jaguarundi tem se aproximado bastante das áreas habitadas, embora quase não seja percebido porque tem o pelo escuro, sem manchas, e, à noite, passa por um gato doméstico bem nutrido.

Encurralados pela proliferação de estradas; pela falta de territórios livres, de matas e de vegetação nativa; pela escassez de presas naturais; pela poluição das águas e pelas doenças transmitidas por animais domésticos, os felinos têm sido os grandes perdedores do confronto. Para a população das cidades, no entanto, essa ótica não consegue prevalecer sobre o pânico e a falsa imagem de violência gratuita projetada sobre as 'feras'.

De acordo com a veterinária Cristina Harume Adami, coordenadora do Centro Brasileiro para a Conservação de Felinos Neotropicais, com sede em Jundiaí (SP), existem poucos felinos viáveis para um programa adequado de reprodução em cativeiro no país. As sussuaranas e onças pintadas são as espécies mais numerosas em zôos e centros de conservação, mas muitas delas estão obesas devido ao trato inadequado e já não se reproduzem. Existem cerca de 230 pintadas e 200 sussuaranas em cativeiros oficiais. A população disponível dos pequenos felinos é ainda menor: são menos de 130 jaguatiricas; cerca de 100 gatos-do-mato; 100 gatos-do-mato-pequenos, 70 jaguarundis e 40 a 50 maracajás. O mais raro de todos é o gato-palheiro com apenas 15 exemplares, entre o zôo de São Paulo e o Centro dos Felinos Neotropicais, em Jundiaí.

Apesar da necessidade de adequar a população de cativeiro para a manutenção da diversidade genética de cada espécie, na maioria dos encontros entre felinos e humanos que terminam em resgate os animais voltam a ser soltos. Após tomar as medidas, tirar sangue para análises e marcar o animal, os especialistas do Cenap procuram encontrar uma área protegida capaz de abrigá-los. A vida livre ainda é a melhor garantia contra a extinção, ainda que em territórios cada vez mais apertados.

Quem são os felinos brasileiros?

Onça pintada
(Panthera onca)
Ocorre do sul dos Estados Unidos até a Argentina. As da Amazônia e Pantanal são maiores do que as da Mata Atlântica. Prefere matas e capões mais fechados e não se arrisca muito em áreas abertas.

Sussuarana ou onça parda
(Puma concolor)
É o mamífero terrestre de mais ampla distribuição nas Américas. Habita desde o Alasca até o sul da Argentina e Chile. A coloração da pelagem varia bastante de região para região. Adapta-se com facilidade a vários tipos de ambiente e chega mais perto das áreas habitadas pelo homem.

Jaguatirica
(Leopardus pardalis)
Vive nas matas do sudoeste dos Estados Unidos até a Argentina. Caça preferencialmente no chão, embora suba em árvores com facilidade e utilize galhos altos para se esconder ou dormir. O território de um macho adulto varia em torno de 18 km2.

Gato-do-mato
(Oncifelis geoffroyi)

Ocorre em vários tipos de florestas da Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Brasil. É bem agressivo. O acasalamento freqüentemente acontece em árvores.

Gato-do-mato-pequeno
(Leopardus tigrinus)

Vive em matas úmidas a secas até 3.000 metros de altitude, da Costa Rica e Panamá até o Brasil e norte da Argentina. É uma especie rara, o menor felino das Américas.

Gato-maracajá
(Leopardus wiedii)
Habita desde o México até o Paraguai e norte da Argentina. Tem os olhos grandes, bem adaptados para a visão noturna e sobe em árvores com grande agilidade, sendo capaz de andar sobre galhos de ré.

Jaguarundi ou gato-mourisco
(Herpailurus yaguarondi)
Ocorre entre o Brasil e o Texas, nos Estados Unidos. Consegue vi-ver próximo do homem, como a sussuarana. É importante no controle de populações de ratos, inclusive em lavouras de grãos.

Gato-palheiro
(Oncifelis colocolo)
Natural da América do Sul ocorre entre os Andes e o sul do Brasil e norte da Argentina. Não tem manchas, é marrom claro e pode ser ter o pelo longo, nas regiões mais frias.

Todas as espécies brasileiras de felinos dependem de programas de conservação para sua sobrevivência. Com exceção da jaguatirica e do jaguarundi, que têm subpopulações já consideradas ameaçadas e do gato maracajá, que não é considerado vulnerável, os outros 5 felinos entram na categoria 'próxima de ameaçada'.

Publicado por Globo.com/EPTV



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